"Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas...Continuarei a escrever" - Clarisse Lispector

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Tempo e rotina



O tempo é zombeiro e a rotina é sádica. Ele passa veloz, enquanto ela não me permite aproveitá-lo adequadamente. Sinto-me provocada por existências não humanas.

Declaração




Declaração


Do rosto ameaçador, tiro um sorriso brando.

Da voz grave, tiro um suspiro baixo.

Dos olhos castanhos, tiro um brilho raro.

Com os lábios sinceros, digo “eu te amo”.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Estagnada no tempo



Estagnada no tempo


A menina apreciava o vento balançando seu cabelo loiro enquanto o dia terminava de escurecer, e as lâmpadas da rua pacata começavam a acender. Olhava à sua esquerda uma árvore jovem, mas já bem alta, que também era acariciada pela brisa.

Por um momento, focou-se na casa à sua direita, inteiramente construída e habitada. Lembrava-se de ter brincado na construção daquela casa, de ter se escondido nos buracos que futuramente seriam seus alicerces, e espiado um casal que se abraçava bem ao lado daquela árvore. Árvore esta que na época não passava de uma pequena mudinha que a garota plantara nos seus 12 anos. Tratava-se de um ipê rosa, e ela tinha esperanças de que no ano seguinte ele desse sua primeira florada.

Uma coruja piou na mata.

Tudo havia mudado. A árvore bebê agora já era imponente. A construção tornara-se uma casa. Porém, se a jovem pudesse ver seu reflexo naquele instante, e comparasse-o com uma foto antiga, perceberia que seu rosto nada mudara desde os 12 anos. Continuava com a face redonda, os olhos azuis puxados nos cantos, a franjinha na altura das sobrancelhas grossas. Era exatamente a mesma.

E sua alma, havia mudado? Havia crescido? Aparentemente, também não. Era obvio que com o passar dos anos começara a agir diferente, mas conservava a mesma essência de menina, de criança sonhadora. Como se parasse no tempo. Como se fosse fadada a viver eternamente naquela idade, e encantar-se com os encantos daquela idade.

E, no entanto, os outros não ficaram parados. Caminhavam em frente e cresciam, e apenas ela conservava aquele ar infantil. Até mesmo sua companheira árvore tornava-se adulta. Somente ela ainda estava lá, sentada onde brincara com as amigas anos atrás, a mesma de sempre, presa ao passado, beirando a loucura.


O dia em que choveu elefantes cor de rosa



O dia em que choveu elefantes cor de rosa


Era um dia como outro qualquer. Ou pelo menos seria, se não estivesse chovendo elefantes cor de rosa.

Na rua uma menina gritava loucamente: "Está chovendo elefantes cor de rosa!". Os outros olhavam para ela assustados.

"Pobre louca" Pensavam todos. Seria a loucura realmente um sofrimento?
Ela parecia se divertir. Por que não tentar também?

Logo foram todos às ruas com seus gigantescos aparelhos de televisão portátil sutilmente equilibrados para celebrarem esse tão belo dia.

Então começou a chover. Todos entraram deprimidos. "A chuva estraga tudo..." resmungavam eles.

Tinha tudo para ser um dia tão promissor, e mesmo assim, ficaram a ver navios.
Literalmente, já que a chuva se revelou um tremendo e catastrófico dilúvio que dizimou toda a população de loucos daquele esquecido asilo.

Estavam num asilo? Ele não se lembrava. Talvez fosse a idade. Ou não. O que estava fazendo mesmo?

Ah sim, como poderia ter esquecido? Torradas. Adorava torradas. Nada como torradas para alegrar uma manhã sombria e chuvosa como aquela.

Pois então, foi comer torradas. Mas, na cozinha, não encontrou a geléia de morango que tanto amava. Só havia geléia de pêssego.

Desespero. Dor. Sofrimento. Quem havia acabado com a maldita geléia? Munido de banheira e torradeira, foi ao encontro do seu torturador.

Já ate imaginava quem era. Aquela velha enrugada que morava no quarto 103. Aquela bruxa! Sempre comia sua geléia. Ia por um ponto final nisso agora mesmo.

Chegou e bateu a porta da casa dela. Silêncio. Além de tudo aquela desgraçada estava se escondendo? Com um só golpe pôs a porta abaixo, apenas para cair no imenso Vazio.

O que é que estava fazendo? Brigando por um mísero pote de geléia? Olha só até onde se rebaixara... Agora estava tudo escuro.

Por um segundo, ouviu uma risada. Maldita bruxa! Foi só então que se lembrou de abrir seus olhos e erguer-se do chão. E lá estava ela, bem diante de seus olhos.

Ela... Ela estava usando um chapéu de bruxa? E... Com uma ARANHA em cima? Não, não, não, odiava aranhas! Como ia se defender? Estava perdido... Todo seu esforço servira para nada. E ainda não comera sua torrada com geléia.

Ela estava se curvando em sua direção... Já podia até mesmo sentir aquele hálito rançoso invadindo suas narinas, a aranha a milímetros de sua testa. E quando tudo parecia perdido, caiu um elefante cor de rosa exatamente em cima da bruxa. A salvação em forma de paquiderme com cores duvidosas.

"Cor de rosa! Meu salvador é cor de rosa!" gritou o velho exaltado. Saiu para as ruas ainda gritando "Um elefante cor de rosa!". As pessoas olharam para ele assustadas.

"De novo não", pensavam. Morrer duas vezes em um dilúvio no mesmo dia era realmente desgastante.




Créditos ao meu namorado Kaká que me ajudou a escrever esse texto.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A estrela cadente que não queria cair



A estrela cadente que não queria cair.


Desde sempre foi assim. As estrelas cadentes eram criadas, e caiam na terra, realizando os desejos que as criancinhas faziam a elas.

No entanto, um dia nasceu uma estrela diferente. Fisicamente, era igual às outras, bonita e brilhante, com uma cauda longa. Mas a nova estrela, ao ouvir que tinha que cair na terra, se recusou com todas as forças.

─ Por que tenho que cair? ─ Questionava ela.

─ Por que tem, oras. ─ Respondiam os anjos que cuidavam das estrelas.

─ Mas tem que ter um motivo!

─ Não tem. Estrelas cadentes são feitas para cair. Não questione isso e volte para a fila das que ainda não foram para a terra.

─ Mas eu não quero cair!

Ninguém a ouvia. A jovem estrela foi obrigada a acompanhar as outras que seguiam por uma enorme fila, esperando sua vez para descer à terra. Observou suas companheiras, que aguardavam silenciosas, pacientes, sem nada contestar.

Isso começou a irritá-la. Sentiu-se inquieta. Por que todas elas concordavam com aquilo? Nenhuma tinha medo de cair? Será que só ela era a estranha, que se recusava a fazer aquilo?

Puxou conversa com uma delas.

─ Você não tem medo? ─ Sussurrou curiosa.

─ Medo de quê?

─ De cair!

─ Por que eu teria medo? Eu nasci pra fazer isso.

─ Mas e se você não quiser fazer?

─ Não é questão de querer. Eu fui criada para isso, e ponto final.

─ Mas...

A fila andou e a outra estrela deixou-a lá, ignorada. Não daria a atenção para alguém tão estranha.

No entanto, a jovem estrela não se aquietou. Cada vez mais ficava confusa e aborrecida. Por que todos diziam apenas a mesma coisa? Seria esse seu destino, nascer para cair? Não podia ser outra coisa?

Tentou falar com outras estrelas, mas não conseguiu resultados. Todas davam as mesmas respostas curtas e objetivas, ou simplesmente a ignoravam. A fila continuou a andar. Logo seria a sua vez de pular do céu. Ela começou a desesperar-se.

─ Alguém, por favor, me diga se é esse o sentido da minha vida!

Ninguém dizia, só olhavam torto para ela. Que estela mais barulhenta! Recusava-se a esperar quieta para realizar a sua função.

Agora ela gritava. Começou a andar inquieta, bagunçando a fila, questionando todas as estrelas que via pela frente e, ao não conseguir respostas, afobava-se mais ainda.

Alguém pediu ajuda. Vieram os anjos, tentaram controlá-la. Nada feito, ela se debatia num frenesi doentio, gritando que não queria cair, não queria cair, não queria cair.

Os anjos estavam perplexos. Nunca, em toda a história das estrelas cadentes, uma se recusara a fazer seu trabalho. Será que Deus tinha falhado ao criar esta? Não, ele nunca falhava. Seria obra de um demônio? Não, eles não ganhariam nada com isso. Provavelmente ela era uma dessas raridades inconvenientes que surgem de vez em quanto, para contestar as regras que já existem.

Pediram para as outras estrelas se afastarem. Nesses casos, o jeito é se livrar do mal pela raiz, e de preferência rapidamente; outras podiam se revoltar também, pela influência da primeira. Chegaram à ponta da nuvem, as outras estrelas com os olhos arregalados os observando. Ela ainda se debatia.

No entanto, não pôde resistir. Os anjos eram mais fortes que ela. Jogaram-na
lá do alto, e depois mandaram as outras se organizarem novamente, e fingir que nada havia acontecido. Era apenas um contra tempo.

A estrela diferente começou a cair, e cair, e cair, e não parava mais. E enquanto caía, chorava de pavor, de tristeza e de impotência. Pois tinha sido como todas as outras, seu destino fora o mesmo, e sua vida não fizera sentido.

Tudo voltou ao normal, a fila tornou a andar como sempre. Em pouco tempo, todos se esqueceram da estrela que não queria cair.

Porém, a criança que a viu naquela noite, notou algo estranho. Um brilho singular... Diferente. Sentiu-se sortuda, era uma estrela cadente rara a que vira! Fez um pedido, as mãos juntas em posição de oração, esperançosa.

Nunca mais a jovem estrela foi vista.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Uma flor




Uma flor


Rosa profundo, rosa suave, toque de carmim. Arredondado delicado, minúsculos fios de ouro pendendo. Branco destacado, discreto verde em segundo plano. Acima dos seres pensantes, abaixo do azul. Uma flor.