"Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas...Continuarei a escrever" - Clarisse Lispector

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Último pedido



Último pedido


Sua visão escureceu, as pernas bambearam e o corpo pesou. De repente, o ar tornou-se denso, teimava em chegar à seus pulmões. O peito acelerou, e em seguida diminuiu o ritmo, pouco a pouco, aquietando-se. Ela sabia, a hora chegara.

Uma presença sorrateira adentrou no ambiente. Não era má nem boa, apenas transmitia um pouco de medo, e um pouco de alívio. Já a sentindo ao seu lado, a mulher resmungou:

― Por que demorou tanto?

A resposta veio em forma de pensamento, ou sussurro, ela não saberia diferenciar. Só sabia que não era uma voz humana.

― Ainda não era a hora certa.

A jovem soltou um suspiro. Ela, como ser imperfeito e contingente, realmente não tinha o direito de decidir qual era ou não a hora certa, apesar de muitas vezes o ter desejado.

― E agora, para onde vou?

― A lugar nenhum.

A resposta veio fria. Como era de se esperar, não haveria piedade. Talvez ainda restasse um fio de esperança de que nem tudo acabaria ali, mas este foi se desfazendo gradativamente.

Ah, sentimentos contraditórios sempre a acompanharam em sua vida. Havia o temor de desaparecer, todavia o desejo de descansar gritava agonizado. Estava, de fato, exausta. Mas era humana, e medo faz parte da condição de existência dessa espécie.

Imaginando que mais nada ouviria do carrasco, surpreendeu-se quando o sussurro novamente invadiu seus pensamentos.

― Você é uma alma interessante.

Apesar da exaustão, a mulher riu com gosto, toda sarcástica e desdenhosa. Ela, interessante? E logo quem vinha lhe dizer isso? De qualquer forma, sendo ou não, não faria mais diferença.

― Por que não termina logo? ― reclamou.

― Aos que me interessam, concedo um último desejo ― Para sua surpresa, foi a resposta que obteve. Baixou o tom de voz, curiosa.

― Que tipo de desejo?

― Posso fazer você reviver uma cena do passado, qual você quiser. Ela tem que ser real, algo de sua vida. Depois, termino meu trabalho.

― Hmm...

Seu passado? Suas memórias? Ela lembrava-se claramente de algumas, outras eram borradas por uma névoa fosca chamada tempo.

Memórias duras, frias, pesadas, escuras, dolorosas. Talvez tão escuras quanto seus fios de cabelo, talvez tão horrendas quanto as marcas já cicatrizadas em seu pulso.

E então, vasculhando-as, passou pela maturidade, pela conturbada adolescência ― não tocou a velhice, pois ainda não a atingira, e nem viria a atingir ― e finalmente chegou à infância.

As cores cinzentas das lembranças doloridas se substituíram por tons alegres e vibrantes, tons de vida e paixão, de inocência e felicidade ingênua das crianças.

Uma cena, não mais do que uma simples cena, veio-lhe à memória.

― Já escolhi ― disse ela.

A presença rodeou-a, curiosa.

― Interessante, interessante... Ou deveria dizer, inusitado... ― A jovem ouviu um som que parecia ser um riso, mas talvez não fosse, e ela apenas quis interpretar assim dada sua ambiguidade. ― Abra bem os olhos.

Ficou confusa com a ordem, mas não teve tempo de questioná-la. De repente estava na velha e conhecida sala de estar.

Era uma pequena sala, paredes amarelas e tortas, uma rachadura num canto descia do teto. Uma flor artificial na estante, no amarelo uma moldura vermelha mostrava um documento antigo da imigração espanhola. Havia sofás dos dois lados, uma mesa baixa de mármore branco e desgastado ao centro.

De costas para a janela e de frente à televisão, uma poltrona com um velho recostado a ela. Tinha olhos azuis claríssimos e fumava seu cigarro, enchendo a sala com o odor desagradável de tabaco. Resmungos era sua forma de se comunicar, e sempre reclamava. Era um homem duro e grosseiro.

Nos sofás e no chão estavam quatro crianças. O mais novo dos meninos brincava com um carrinho, o mais velho montava um lego falsificado e o do meio se empenhava em puxar o cabelo preto lustroso da garotinha que tentava futilmente desenhar numa folha em cima na mesa.

A cena era pacífica e humilde. Um avô com seus netos, numa casa velha, com cheiro de cigarro. Uma cena extremamente nostálgica. Simples, mas agradável.

"Ah, belos tempos..." Pensou a jovem. Sua infância, apesar de comum, fora a época mais feliz de sua vida. Sua felicidade estava exatamente nesses pequenos detalhes ― os primos na casa da avó nos finais de semana, brincadeiras de criança, desenhar com giz de cera, ouvir as implicâncias do avô resmungão, que na verdade eles adoravam.

Ela praticamente parou de respirar quando toda aquela cena desmoronou, e a presença estranha tomou conta do seu campo visual novamente.

― O tempo... Acabou. ― Disse a voz sussurrante.

A jovem então tremeu da cabeça aos pés. Sentiu medo, muito, muito medo. Toda a leveza da cena fora arrancada com brutalidade, assim como a leveza da infância fora tirada e destroçada com o amadurecimento.

Mas enfim, tudo aquilo acabaria. O medo, o sofrimento, e também a antiga felicidade. Todos os sentimentos sentidos, jogados no nada. Findados.

A impiedosa beijou-lhe a face.

Então, silêncio.

sábado, 9 de julho de 2011

Brincadeira semântica




Brincadeira semântica


Siga minha lógica:

Chocolate. Pimenta. Cereja. Flores. Cor de rosa. Bochechas. Sorriso. Dentes. Estética. Maquiagem. Coelhos. Sexo. Igreja. Deus. Dúvida. Escola. Rebanhos. Pastor. Guia. Führer.


Portanto, chocolate termina em führer.

Entendeu?