"Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas...Continuarei a escrever" - Clarisse Lispector

terça-feira, 30 de março de 2010

Hipocrisia





Hipocrisia


Há tanta miséria nas ruas. Ando triste, olhando para os lados. Não vejo lágrimas, mas sinto elas me cercarem. Meu Deus, por que isso acontece?

Rostos famintos por atenção, por piedade. Será que posso envolver todos eles?

E nos olhos do outro, sonhos que desprezo. Afinal o que há comigo mesma? Não passa de hipocrisia esse aperto no coração, pois o egoísmo nos dominou há muito tempo.

O dia a dia sufoca a alma e parece não haver fim. Esquecemos o que é realmente importante? Aquela criança na sarjeta não deveria estar aquecida em abraços maternos? Não tenho tempo para pensar nisso, já que estou ocupada me preocupando com minha mísera existência.

Eu não tenho forças, mas tenho vozes. Vozes que me fazem questionar por que estou aqui, e não ali onde aquele homem descansa sobre um ralo pedaço de papelão. Mas a coragem me falta.

Assim, se calo, não falo. Talvez as vozes sejam as únicas que me façam despertar. Grito então? Não, preciso de algo maior para chamar a atenção. Opto por uma prece universal, eterna, desesperada. Consegue ouvir?

terça-feira, 23 de março de 2010

Monumento de pranto





Monumento de pranto


Monumento de pranto, movimento lento era aquele que nos embalava naquela valsa que dançávamos os dois, desprovidos de conhecimento. Só nos guiávamos pelo brilho dos olhos e o ritmo longínquo.

Em linhas retas as lágrimas correm em minha face triste e solitária, implorando por um novo começo.

Monumento de pranto, movimento lento, não quero te deixar ir. Por favor, espere mais um pouco. Ainda não falei tudo que tinha para falar.

Terra, não, fogo arde e o ar tranqüiliza. A água é suave, o fogo corta, o ar amacia e a terra endurece.

Enquanto um córrego desce em labirintos, estou aqui sentada ouvindo um hino de igreja ao fundo.

Cada dia mais, me impressiono com tudo que sonho e a capacidade efêmera de tornar isso realidade. Acabo me perdendo sem saber.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Respostas





Respostas


Andava pela areia... Braços relaxados e inertes. O calor penetrava cada espaço do meu ser. Não tinha direção, apenas seguia em frente. A luz ofuscava a visão. Uma gaivota sobrevoava a paisagem.

Que vontade de chorar. Chorar todas as lagrimas do mundo. Onde está? Te procuro por todos os lados. Ainda há algum sentido?

É melhor correr, se não posso perder o que estou procurando. Por que? Não tem resposta. Quero abrir as asas, voar para longe, muito longe. O azul me espera.

Já não há mais passado. Esqueci de tudo, apenas nesse instante. Só há um caminho a frente. Não posso parar. Corro para você sem vê-lo. Um fio de esperança.

Por que não te alcaço? Mas não vou desistir. Por que não vem até mim? Não quero respostas fáceis. Fariam meu sofrimento não ter sentido.

terça-feira, 16 de março de 2010

Fome





Fome

Cheirinho de comida ao chegar em casa.
Casa da avó com os primos.
Um bolo de chocolate enorme.
Reunião com os amigos.
Aquele restaurante caríssimo.
Aquela sexta aula chatíssima.
Aquele resturante barato e aconchegante.
Aquela criança africana.
As pessoas da Ilha das Flores.
Programa de culinária.
Petiscos antes do almoço.
Piscina no sábado à tarde.
Ajudar a mãe na cozinha.
Uma cesta de fruta.
Vontade de comer.

terça-feira, 9 de março de 2010

Se a vida fosse como uma história





Se a vida fosse como uma história


Se a vida fosse como uma história, eu poderia ser a protagonista, persistente e com personalidade forte, sempre expressando suas opiniões e não se deixando levar pelos outros. Otimista e esforçada, lutaria pelos meus ideais e mudaria as pessoas pouco a pouco para algo melhor.

Poderia ser uma princesa, já que muitas delas têm olhos azuis da cor do mar, fios dourados como o ouro descendo pelos ombros, e carregam traços de delicadeza e inocência. Aparentando fragilidade, mas possuindo um coração forte e decidido, sonharia todas as noites com um amor ideal, tão puro e simples, que simplesmente se desenvolveria com a leveza de uma pluma caindo do céu.

Ou talvez fosse um príncipe, corajoso, e mostraria todos os meus belos golpes de capoeira, orgulhoso por praticar uma arte tão nobre, e poder defender as pessoas que eu amo. Montaria num cavalo alazão, e galoparia com uma espada prateada erguida bem alto por todo o reino, só para mostrar o quão bonita e reluzente era a minha imagem.

Poderia ser a melhor amiga daquela jovem apaixonada, e sempre alegre tentando ajudar a companheira, esconderia meus próprios problemas. Tentaria com todas as forças, manter o alto astral no ambiente, nem que para isso tivesse que me passar por boba.

No entanto, mostrando meu egoísmo, teimosia e rancor, me transformaria em um vilão, que perseguido pelos fantasmas do passado, desesperado para encontrar paz, faria crueldades sem pensar nas conseqüências. Todos os meus defeitos viriam à tona, desde a pequena preguiça, até a terrível desconfiança.

Com sorte um herói perceberia meu lado sensível e ferido, e me estenderia a sua mão.
Então minhas virtudes também transbordariam, a sinceridade, a simpatia, a criatividade, todas transparentes como uma fina lâmina de cristal. E, possivelmente, aquele amor com o qual sonhava começasse a florescer...

Pensando bem, poderia ser qualquer coisa, mas ainda não sou nada. Perco-me pensando em qual direção tomar, e me pergunto todos os dias quem sou eu. Porém, no final da historia percebo que posso ser quem eu quiser, é só imaginar, pois a imaginação abre portas para a realidade.

quinta-feira, 4 de março de 2010

O elevador





O elevador


Muitas garotas têm medo de insetos. Outras, horror à altura. Já eu, não me incomodo com os insetos, e acho lugares altos lindos, mas em compensação tenho pavor de elevadores.

Elevadores? Vocês me perguntam. Sim, parece uma coisa boba, porém vou contar-lhes o motivo dessa fobia que me persegue.

Durante a minha quinta serie eu tinha alguns problemas respiratórios, e quando estava num ambiente abafado ou fechado, às vezes tinha falta de ar. Um dia quando saia da minha aula de inglês com mais três amigas, uma delas começou a passar ma,l com tontura e enjôo por causa de cólica. Decidimos pegar o elevador em vez de descer os quatro andares do prédio com a menina zonza.

Na semana anterior o elevador havia quebrado, e fazia poucos dias que estava consertado. Um pouco receosa, me ofereci para chamar um professor para ajudá-la, mas a resposta que obtive foi a seguinte:

- Deixa de ser boba, acabaram de consertar, está melhor do que nunca.

Entramos as quatro no elevador minúsculo, e ele desceu normalmente. No momento em que chegamos ao primeiro andar, sentimos um solavanco, a máquina mortal afundou mais um pouco, e não abriu.

Nervosas, apertamos o botão de alarme, mas ele não funcionava. Como sabíamos que o elevador dava de frente com a cantina da escola, começamos a bater desesperadas na porta, gritando por socorro.

Algumas vozes vieram do lado de fora. Calma, calma, vamos tirá-las daí. Se acalmem. Até parece, quatro garotas de 11 anos presas num elevador com um calor de 36 graus lá dentro, e ainda por cima com uma delas morrendo de cólica. Tudo calmo, com certeza.

Passou-se dez minutos sem qualquer sinal de que sairíamos de lá tão cedo. O clima abafado junto com os soluços de nervoso somaram-se para desencadear a ausência de ar nos meus pulmões. Primeiro, dei algumas fungadas. Depois comecei a puxar o ar com força, mas parecia que ele se recusava a chegar aonde deveria. Vendo-me naquele estado, a outras garotas ficaram ainda mais apavoradas.

Uma delas se empenhou em esmurrar a porta e proferir todo tipo de xingamentos. A outra, que estava com dor, se encolheu em um dos cantos e começou a chorar. E para a surpresa e irritação de todas, a terceira sentou-se no chão, e não parou de dar risada. Ria como se o bute tivesse baixado nela, gargalhava como se tivesse ouvido uma piada de mau gosto muito divertida.

Gritamos com ela, falamos para parar, mas mesmo assim ela ria e ria, parecia uma gralha que fora atingida por uma bomba de gás do riso. Depois de quase uma hora, conseguiram abrir a porta. Saímos tremulas, suadas, no meu caso sufocada, e muito, mas muito bravas. E minha amiga ainda ria, continuou rindo quando fomos para a sala da direção tomar um chá calmante, e continuou rindo quando saímos de lá, um pouco mais baixo e controlado, mas ainda aquele riso irritante e sádico.

Toda vez que olho para um elevador, lembro da cena delas rindo, chorando e xingando, tudo junto, misturado com a falta de ar e o calor, e sinto um calafrio percorrer a espinha. Elevador? Não, obrigado, prefiro as escadas, não fico presa nelas e ainda me exercito.